Está calor. Devo tosar o meu cachorro?
O calor já está entre nós. Como todo ano, Tutores se questionam se devem ou não tosar seus cães. Há muitas informações conflitantes na internet. Este artigo visa esclarecer o assunto.
Primeiro temos que compreender os processos termodinâmicos de perda de calor do cão. Os animais basicamente perdem calor por:
– Condução: a perda por condução ocorre quando o corpo está em contato direto com uma superfície mais fria. É justamente para proporcionar esta perda que o cão busca deitar em chãos frios, ou os colchões feitos para o resfriamento;
– Convecção: é a perda direta de calor entre o corpo e a atmosfera. Esta perda é facilitada pelo ar em movimento (por isso usamos ventiladores);
– Radiação: é a perda direta do calor com o ambiente (esta perda não é significativa em cães, a não ser quando consideramos as diferentes pigmentações: o corpo pode refletir a energia incidente (o que é facilitado pelas pelagens claras) ou absorver esta energia (o que é facilitado pelas pelagens escuras);
– Evaporação: é a maior responsável pela manutenção da temperatura corporal em mamíferos. Em cães basicamente esta se dá pela evaporação da umidade do focinho e língua (o cão ofegante perde muito mais calor) e ESTE É O PRINCIPAL MECANISMO DE PERDA DE CALOR DO CÃO.
Este efeito é maximizado pelo aumento do fluxo sanguíneo que ocorre nestas regiões no calor (e também nos coxins plantares), exposição total da língua e aumento da salivação – assim há resfriamento do sangue circulante (e de todo o corpo consequentemente). Em contraste ao cão, no Homem esta vasodilatação periférica ocorre no corpo todo, em que a perda de calor é muito facilitada pelo suor (que não ocorre significativamente em cães).
A tosa para redução do calor objetiva aumentar a CONVECÇÃO (e também a condução quando feita no ventre, por permitir o maior contato da pele com superfícies frias, quando o cão deita). As propriedades das pelagens caninas que irão influenciar na perda térmica são basicamente:
- comprimento
- espessura do pelo
- ângulo de inclinação do pelo
- densidade numérica (quantos folículos pilosos por cm2)
- pigmentação
Vamos por partes:
– Comprimento do pelo: por si não é tão importante – o comprimento tem sempre que ser analisado em conjunto com as outras propriedades de pelagem.
– Pigmentação: pelagens claras refletem melhor a energia incidente que pelagens escuras. Esta vantagem é maximizada em pelagens curtas ou lisas (que minimizam a transmissão de certos tipos de ondas).
Tipos de pelagem e recomendações quanto à tosa
– CÃES DE PELAGEM LISA, sem subpelo ou com pouco subpelo e em ângulo agudo em relação à pele (pelagem próxima a pele) – Malteses, Yorks, Afghan Hounds, ShihTzus, Lhasas, etc.
Como estes cães têm a pelagem lisa, que fica rente ao corpo, sem ou com pouco subpelo, não há grande vantagem na tosa, pois a convecção é facilitada por este tipo de pelagem. O ganho real só ocorreria se o pelo fosse tosado “zero” ou próximo disto.
– CÃES DE PELAGEM LISA, COM BASTANTE SUBPELO (Golden Retrievers, etc…) e em ângulo agudo em relação à pele (pelagem próxima a pele).
Provavelmente os que mais têm a ganhar com a tosa, pois a presença do subpelo denso aumenta o isolamento térmico e prejudica a convecção. Uma alternativa à tosa em cães com este tipo de pelagem é a retirada do subpelo com pentes de dentes finos, rasqueadeiras ou tipo furminators.
– CÃES DE PELAGEM CRESPA (Poodles, Bichons Frisés, etc…).
Como o ângulo reto do pelo com a pele (pelo sai praticamente perpendicular à pele) e a presença de subpelo (não muito denso; Bichons costumam ter mais subpelo que Poodles) há certo isolamento térmico e prejuízo da convecção – mas não tanta devido à não tão alta densidade. Há benefício da tosa baixa.
– CÃES DE PELAGEM DUPLA (Spitz Alemão, Chow Chow, Malamute, Samoieda, etc…).
Há grande isolamento térmico devido:
– ao ângulo do pelo em relação à pele;
– à grande densidade numérica e presença de subpelo (muitos pelos e subpelos por cm2).
Esta pelagem é a mais adaptada aos climas muito frios e nestas raças é que se faz a maior confusão entre o benefício da tosa ou a não tosa. Vamos lá:
– se o cão estiver sob exposição solar em alta temperatura a tosa será PREJUDICIAL:
Diferente do que normalmente se imagina, quanto mais longo o comprimento do pelo melhor o animal suporta a exposição.
Mas, e fora do sol?
A máxima que a pelagem dupla “isola do frio no inverno e do calor no verão” não é correta! Podemos sim falar “protege do frio no inverno e do aquecimento provocado pelo sol no verão”. Explico: quando falamos de isolamento térmico estamos falando da capacidade do corpo manter sua temperatura com o mínimo gasto de energia. O isolamento impede a perda de calor com o meio através justamente da redução da convecção, entretanto, quando a temperatura atmosférica está elevada, esta redução da convecção PREJUDICA a perda de calor…
Então devo tosar meu cão de pelagem dupla?
A questão principal aqui é que justamente estas raças tem uma propensão a desenvolverem Alopecia Pós-Tosa.
Qualquer tosa muito baixa, que inclua o subpelo, pode levar a este quadro. Tosas mais altas (e seguras) não causam a Alopecia, mas também não interferem na convecção (pois não incluem a retirada do subpelo, o maior responsável pelo isolamento térmico), ou seja, de nada adiantam para o resfriamento.
O que fazer?
O que podemos fazer é aumentar a perda de calor pelos outros meios:
– A perda de calor pela evaporação (e convecção) é facilitada pelo ar circulante: a água evapora mais depressa e leva o calor de forma mais eficiente na presença de vento – o uso de ventiladores maximiza esta perda;
– a perda de calor pela condução (contato da pele com superfícies frias) pode ser maximizado com a tosa “zero” da região ventral (podendo se estender até a região do peito entre os membros anteriores) – esteticamente não há prejuízo e a área de superfície exposta é maior, permitindo maior perda quando o cão deita em superfícies frias (o uso de colchões que são excelentes condutores térmicos ajuda neste processo). A retirada do excesso de subpelo também pode ser feita (rasqueadeira, furminator) – apesar da possibilidade da retirada de boa parte do subpelo por estes métodos o risco de Alopecia Pós-Tosa é mínimo, pois o arranque dos pelos estimula o crescimento.
O que mais posso fazer?
Cães gordos retém mais calor. Isto ocorre pq a gordura é um excelente isolante térmico. Cães com boa condição corporal tem mais condições de manter a temperatura corporal confortável através de perda térmica que animais obesos
E cães se acostumam com o calor?
Sim, cães vindos de outros países/estados com condições diversas passam por um processo chamado aclimatização. Basicamente o órgão e os mecanismos reguladores da homeostase térmica, ou seja, o Hipotálamo e a produção de diversos hormônios passam por uma transformação que permite a adaptação do cão ao novo ambiente. O processo completo pode levar até 60 dias. Neste período deve-se prestar especial atenção ao conforto térmico do indivíduo, pois há maiores chances de intermação.
Fonte: Endocrinologia Veterinária.com
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