Cruzar ou não? Você faz questão de ter um cão de raça?

Cruzar ou não? Você faz questão de ter um cão de raça?

Seguem artigos de profissionais responsáveis e reconhecidos que cumprem as exigências legais e éticas.

“A decisão de não cruzar seu animal de estimação é uma decisão inteligente, responsável e ética.”

DEVO CRUZAR MEU CÃO?

Se você precisa perguntar, então a resposta necessariamente será “NÃO”.
Se você cruzar o “seu” maravilhoso cão de raça, na melhor das hipóteses terá um cão com “metade” das características do seu. E, a melhor das hipóteses raramente acontece!
Algumas perguntas que você deveria fazer a si mesmo antes de cruzar seu cão.

Tem como gastar muito com exames para verificar se seu cão PODE cruzar?
– Seu cão tem a conformação saudável?
– Teve as bacias, dentes e olhos checados por um profissional?
– É um cão saudável e com estrutura correta?
– O teste de displasia está ok?
– Foi feita a radiografia e a bacia certificada boa pelas autoridades certificadoras?

O cão tem um bom temperamento?
Um cão não deve cruzar se não for um cão sociável ou se for um cão medroso.

O cão tem alguma falha genética?
Nem muitos exames podem detectar falhas genéticas.

Você está disposto a perder seu cão por causa do cruzamento?
Doenças fatais podem ser transmitidas na cruza. Algumas cadelas morrem ao dar cria.

Você está disposto a ficar com dez filhotes?
Ter uma ninhada não significa que você conseguirá vender os filhotes.

E se tiver de dá-los, que tipo de vida esses filhotes terão?

Você está disposto a sacrificar um filhote?
Nascem filhotes com 3 pernas, intestinos pendurados para fora e mais um milhão de outras razões para sacrificá-los.

Você é capaz de sacrificar um filhote?

Você está disposto a receber de volta um filhote maltratado?
Espere que aconteça e reze para não acontecer.

Está disposto a dar uma garantia de saúde?

O que acontecerá se todos os filhotes tiverem uma doença em comum e você receber TODOS de volta com 6 meses de idade?

Você fará um passeio num abrigo de cães antes de cruzar?
Porque há exceções mesmo na melhor ninhada, um de seus filhotes pode acabar lá. Infelizmente vivemos numa sociedade em que ‘tudo se descarta’.

 

Cruzar ou não? Você faz questão de ter um cão de raça? 1

Você tem tempo?
Prepare-se para ter de correr para casa na hora do almoço e ficar acordado até as 2 da manhã por duas semanas para ter certeza que está tudo bem com a ninhada.

O seu cão é bom para acasalamento?

Você acha que tem o direito de fazer experiências com seu cão?

Você consegue pagar as despesas com veterinário?
São frequentes problemas na gestação e parto.

Você realmente quer vender os cães?

Você está regulamentado como criador?

Você paga todos os impostos e cumpre todas as exigências legais?
Você certamente não ficará rico considerando as dores de cabeça e as “dores no coração” durante o processo todo. ‘Ótimos’ cães podem gerar ‘péssimos’ filhotes!

Então, no final, restam apenas algumas palavras de aviso:
1 – Seu cão tem mesmo tantas qualidades para ser digno que seus genes passem adiante?
2 – Você teria condições de pagar a conta do veterinário no pior dos casos, o risco de morte do seu cão?
3 – Você está disposto a gastar tempo e dinheiro para achar os melhores lares para seus filhotes?
4 – Você receberia de volta um filhote que foi maltratado e que você amamentou? Porque isso acontece muito!

Com tudo isto, a decisão é sua. Você não precisa da permissão de ninguém para acasalar seu cão.
Saiba apenas que uma dúzia de filhotes e o seu cão ou cadela podem viver ou morrer, dependendo da sua decisão.
Como vê, não há motivos para acasalar seu cão, mesmo que ele seja de raça e tenha pedigree.
Isto é trabalho apenas para criadores regulamentados, experientes e responsáveis.

Dennis Guldan, editor da revista americana Canine Today e da Bird Dog and Retriever News. 

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“Partos com complicação são mais comuns do que se imagina. E problemas durante o parto poderão custar a vida da cadela!”

DEVO CRUZAR MINHA CADELA?

É comum ouvir de pessoas que compram uma fêmea “de raça” que pensam em cruzá-la ao menos uma vez. Ter uma ninhada parece uma coisa legal, mas cuidar de uma ninhada não é tão fácil quanto parece. Criar cães envolve muito mais trabalho e responsabilidade do que as pessoas estão dispostas a ter.
Antes de cruzar sua cadela, aqui alguns pontos importantes a considerar:

Será que todos os filhotes encontrarão lares bons e permanentes?
Estatísticas dos Estados Unidos falam que a cada hora nascem cerca de 2500 filhotes e 450 seres humanos. Portanto desde o nascimento, só um em cada quatro filhotes terá chances de encontrar um bom lar. Encontrar um lar permanente é ainda mais difícil somente um em cada 10 cães permanecem com seus donos originais por toda a sua vida. Cinco trocarão de dono antes de completar um ano de vida. E o saldo terminará em abrigos, abandonados ou indesejados. Mesmo que seu cão seja um cão de raça caro, seus filhotes estão sujeitos às mesmas estatísticas.
Milhões de cães serão sacrificados anualmente em instituições ao redor do mundo já que não há lares suficientes para abrigá-los. Há tantos animais abandonados hoje em grandes cidades, que os legisladores já pensam em coibir ou limitar drasticamente a criação de cães.

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Suas responsabilidades como criador/doador
Você é pessoalmente responsável por cada filhote pelo resto de suas vidas. Sua responsabilidade não cessa no ato da venda/doação do filhote. É bem aí que essa responsabilidade começa!
Você é que vai ter que saber exatamente onde esses filhotes estarão daqui a seis meses, um ano ou cinco anos, e saber se os mesmos estão recebendo a atenção necessária. Você será responsável por todos os filhotes não vendidos/não doados e terá que receber de volta aqueles que serão devolvidos após terem crescido, adoecido ou envelhecido e seus donos não mais os quererem.
Como somente um em cada 10 filhotes ficará com seu dono original por toda a sua vida, você terá que estar preparado a receber de volta uma boa parte de sua ninhada.
A hora de se preparar para isso é agora antes de trazer novos filhotes para esse mundo, não depois.

Você terá espaço para esses cães? Terá tempo para cuidar deles?
Parece que ter uma só ninhada não terá grande efeito sobre a população canina em geral mas… se sua cadela tiver uma só ninhada de quatro filhotes e cada filhote produzir mais quatro filhotes, em 7 anos teremos 4.000 descendentes! “Somente uma ninhada” tem sérias consequências!
Você terá que aprender a escrever e exigir cumprimento de um contrato que exige que os donos dos filhotes castrem os mesmos.
Você tem a responsabilidade perante seus filhotes e seus donos de criar cães os mais saudáveis, física e mentalmente.

Todas as raças possuem problemas genéticos e de temperamento específicos que podem ser passados aos seus filhotes.
Muitos defeitos hereditários estão “escondidos” apesar de que seu cão possa não apresentá-los, ele poderá estar programado geneticamente a transmiti-los a seus filhotes. Sem exames caros e complexos e um estudo aprofundado de pedigrees, você poderá facilmente estar produzindo filhotes que serão uma dor de cabeça para seus donos e um peso financeiro para você.
Criadores sérios avaliam seus padreadores e suas matrizes para encontrar evidências de displasia, doenças oculares, de coração, de tireóide, hormonal, de pele, alergias e problemas de coagulação antes mesmo de pensar em fazer um cruzamento.
Como criador você deve estar preparado para dar garantias aos novos donos que os filhotes estão livres das doenças hereditárias típicas da raça quando atingirem idade adulta. Isso pode significar o reembolso de dinheiro daqui a alguns anos ou ter que oferecer um novo filhote sem custo. Com nova legislação, criadores sem experiência poderão estar reembolsando até três vezes o valor recebido hoje daqui a três anos, adicionado de despesas veterinárias, correção monetária e multa.

E temperamento também está sujeito a garantias.
Você poderá ser processado se o filhote que você vendeu ontem morder alguém amanhã. Você terá que estar presente para dar aos donos conselhos sobre treinamento e comportamento. Você é o “suporte on-line”, 24 horas por dia, 365 dias por ano, para os novos donos, e isso pelos próximos 10 a 15 anos!

Ter uma ninhada sai caro!
Criar uma ninhada exige um considerável investimento de tempo e dinheiro que certamente não voltará sob forma de lucro. Depois virão os exames pré-natais, ultrasom, exames pós-parto, vacinação e vermifugação, alimentação adicional para a mãe, equipamento como caixa de parto, cercado etc.

Partos com complicação são mais comuns do que se imagina (especialmente se for o primeiro parto da cadela). E problemas durante o parto poderão custar a vida da cadela!
Você pode calcular uma taxa de mortalidade de 25% para os recém-nascidos, mesmo fazendo tudo corretamente. E defeitos de nascimento como palatos abertos são comuns.

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Mesmo criadores de cães campeões raramente tem algum lucro na sua criação. Então, pense bem sobre as razões que fazem você desejar criar uma ninhada.

MITOS E CRENÇAS:

“A natureza fez com que os animais procriassem”.
Não é mais a natureza que controla a carreira reprodutiva dos nossos animais de estimação as pessoas é que o fazem. A natureza age de maneira bem diferente.
No ambiente selvagem a natureza se encarrega que somente os filhotes mais fortes e espertos sobrevivam para criar novos descendentes. E a natureza só permite às cadelas ficarem férteis quando há alimento suficiente e um ambiente seguro, para garantir a sobrevivência da ninhada.
Nós humanos permitimos que nossos animais procriem a qualquer tempo, tenham um futuro assegurado ou não.

“Ela precisa ter uma relação sexual”… ou …”Ele precisa abaixar o facho”
Não!… nos dois casos. O sexo dos animais é controlado por hormônios. Não existe amor, emoção ou pensamento envolvido. Uma fêmea somente “pensa” em sexo quando está no cio e ela esquece isso assim que o cio passa. E os machos somente pensam em sexo ao estarem próximos de uma fêmea no cio. Deixar o macho cruzar não vai “abaixar o facho”, vai sim fazê-lo ficar pior. Ficará mais territorial e agressivo perante outros cães, poderá voltar a sujar dentro de casa e poderá ficar incontrolável caso haja uma fêmea no cio próximo à sua casa . O macho que nunca cruzou desconhece e não sente falta de cruzar. “Abaixar o facho”, seja de um macho ou de uma fêmea, é questão de maturidade e treinamento e não de cruza.

Não existe fundamento na “sabedoria popular” que cães ou cadelas devem cruzar ao menos uma vez antes de serem castrados.
Se algum veterinário der esse conselho, tenha certeza que ele está atrasado no tempo. Pesquisas demonstram que castrar cães ainda filhotes não causa nenhum efeito negativo.
Castrar uma fêmea antes do primeiro cio pode prevenir alguns tipos de câncer e infecções urinárias sérias. E castrar um macho não tira sua masculinidade. Muito pelo contrário, esse macho se tornará um animal mais fácil de ser treinado e possibilitará que ele canalize sua energia para atividades mais construtivas.

MOTIVOS EQUIVOCADOS:

“Estamos fazendo isso pelas crianças”.
Assistir ao milagre da natureza não é tudo aquilo que se diz. É um acontecimento cheio de sujeira e sangue e quase sempre acontece no meio da noite. É doloroso para a cadela e seu sofrimento pode ser mais do que você deseja que seus filhos assistam. Existem vídeos e livros que mostram às crianças o milagre do nascimento sem os custos e a responsabilidade de criar novos cães.

“Queremos um outro cão igual a este”.
Os filhotes terão 50% de chance de puxar traços do outro cão! Seu cão é único e especial. As leis de hereditariedade impedem que dois seres sejam idênticos. A maioria das qualidades que fazem sua cadela tão especial é adquirida, não herdada.

“Queremos ficar com um filhote”.
É bem mais barato e mais fácil comprar ou adotar um novo filhote do que criá-lo você mesmo!

“Todos nossos amigos querem um filhote”.
Qualquer pessoa que viu sua cadela quando filhote dirá que “um dia” vão querer uma igual. Mas esse dia raramente coincide com a época em que os filhotes estão prontos para ir aos seus novos lares. Você ficará surpreso de quantas pessoas subitamente não tem tempo disponível para um filhote no momento[…]
Não conte com promessas vagas! Encontrar lares adequados e donos responsáveis, carinhosos e preparados para ter um cão é mais difícil que parece. Nem todo mundo deve ou pode ter um cão e é impossível saber a diferença entre um bom e um mau dono. Você terá que ter uma grande capacidade de julgamento de caráter e estar disposto a investir tempo considerável para conhecer melhor as pessoas às quais você planeja vender/doar um filhote. Será que eles tem a experiência para CRIAR e EDUCAR um filhote?

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“Queremos recuperar o investimento em nosso cão”
Como dito acima, será muito difícil obter algum lucro na criação. Criar uma ninhada certamente resultará em prejuízo. Você provavelmente comprou um cão para ter um companheiro e ter prazer. Mesmo tendo pago R$500,00 isso é um investimento se somente R$50,00 por ano se o mesmo viver 10 anos, ou seja, menos que R$1,00 por semana.
Será que o companheirismo e amor que ele retorna não vale mais do que isso?
Procriar cães é assunto sério!
Antes de seguir adiante, visite o Centro de Zoonoses mais próximo à sua casa e veja o que acontece com cães que foram criados por pessoas que pensavam que seria “divertido” ter uma ninhada. O “milagre da morte” pela eutanásia é tão educador quanto o “milagre da vida”.
A decisão de NÃO CRUZAR SEU ANIMAL DE ESTIMAÇÃO é uma decisão inteligente, responsável e ética.

Autor do texto original, Dieter Gogarten. – Texto adaptado de www.guiavegano.com.br

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“ Se adquirimos nossos amigos de estabelecimentos que lucraram com sua exploração, nossa parte da amizade não é sincera.”
(Sérgio Greif)

VOCÊ FAZ QUESTÃO DE UM CÃO DE RAÇA? PENSE DUAS VEZES…

É bastante comum que na busca pela companhia de animais utilizemos critérios raciais como determinante de escolha. Isso não acontece à toa, vamos à livraria para pesquisar sobre cães e os livros nos dizem qual raça é boa para apartamento, qual raça é boa para se ter com crianças, qual raça fornece bons cães de guarda . . . Os pacotes de rações para cães trazem sempre imagens de rottweilers, labradores, cocker spaniels ou dachshunds, sempre cães de raça; igualmente as propagandas de produtos voltados para esse mercado ou que utilizam cães apesar do produto não estar relacionado.
Há, portanto, um apelo para que “consumamos” cães de raça e para que, por outro lado, desprezemos cães que não sejam de raça. É verdade que esse “estigma do cão vira-lata” esteja menos forte atualmente do que estava 15-20 anos atrás, mas ele ainda persiste.
Por outro lado, tendemos a considerar errado julgar as pessoas por sua raça. Pessoas normais não escolhem, por exemplo, ter amigos brancos ou japoneses e desprezam possíveis amigos negros ou índios, apenas com base em critérios raciais. Tampouco não vemos com bons olhos publicações que tentam associar determinadas raças humanas com determinados padrões de comportamento. E mesmo que possamos definir com certa precisão nossa linhagem ancestral, não é de bom tom sustentarmos isso como indício de superioridade ou em conotação de pureza. E se isso não é bom ou certo no caso de seres humanos, também não o é em relação aos cães e outros animais.

O que são cães de raça?

Como no caso das raças humanas, não há uma sustentação científica para o conceito de raças caninas. Todos os cães pertencem à espécie Canis familiaris (ou mais recentemente Canis lupus familiaris) e descendem de lobos cinzentos (Canis lupus), que foram domesticados provavelmente há 100 mil anos. Cães são, portanto, uma subespécie de lobos cinzentos.
Do lobo para o cão há uma grande diferença, mas 100 mil anos de seleção artificial foram suficientes para que o ser humano desenvolvesse milhares de variedades de cães. Os primeiros critérios adotados pelo ser humano para a seleção de animais de companhia foram sua mansidão. Lobos muito agressivos eram difíceis de manter; por outro lado, animais mais mansos eram preteridos.
O geneticista russo Dmitri Belyaev observou, quando da domesticação de raposas, que após algumas gerações de procriação seletiva os animais se tornavam mais mansos e desenvolviam comportamentos característicos de cães domésticos que não eram expressos em raposas silvestres. Mais do que isso, algumas gerações após a domesticação esses animais passavam a apresentar orelhas moles, focinhos mais curtos, padrões distintos de pelagem e cauda erguida. Possivelmente, os genes que regulam essas características são, tanto o lobo quanto na raposa, ligados aos genes que conferem aos animais maior mansidão.
Podemos entender, por esse estudo de Belayev conduzido em poucas gerações, o que milhões de gerações fizeram ao lobo, possibilitando o surgimento de variedades de descendentes tão distintos quanto um chiwawa ou um dogue alemão. E ainda assim, todos cães domésticos.
No entanto, quando consideramos geneticamente, o conceito de raças caninas não faz sentido. O que existe sim são grupos de animais cruzados seguidamente entre si para expressar determinadas características que lhes confere visível semelhança, e algumas vezes a propensão a determinada índole. Mas é só.
Exceto por uma acentuada aparência externa, nada distingue uma raça canina de outra. Existem, obviamente, linhagens que são maiores e linhagens que são menores, linhagens mais agitadas e menos agitadas, linhagens que se morderem alguém causarão um estrago maior do que outras, até por sua força física . . . mas todas essas características podem ser encontradas também em cães chamados “sem raça definida” – SRD.
Uma pessoa que busca simplesmente um companheiro canino não precisa adquirir um guia de raças que garante que tal linhagem expressa determinado comportamento, não precisa ir a um canil adquirir um cão com pedigree por um preço que pode variam de R$ 200 a R$ 2.000, até porque amigos não se compram.

O que determina que cães são de raça?

O que determina que certo cão pertence a certa raça, que um segundo cão pertence a uma raça diferente e que um terceiro cão pertence a um grupo sem raça definida é um critério absolutamente artificial. Cães não se reconhecem a si mesmos como pertencentes a raças distintas, como ocorre no caso de raças surgidas de maneira natural. Mas se não é algo natural, de que forma os critérios raciais surgiram para cães?
Desde sua domesticação, os cães foram empregados pelo ser humano em diferentes serviços (pastoreio, boieiros, caça de pequenos e grandes animais, caça de aves aquáticas, farejadores, guarda, corrida etc.). Mesmo sem conhecer os fundamentos da genética antes de Mendel, o ser humano sabia, por fatores empíricos, que se cruzasse cães com determinadas características e aptidões teria maior chance de encontrar essas mesmas características em suas proles.
Esse processo se acentuou ainda mais a partir do surgimento dos Kennel Clubs, no século XIX. Desde então, cães já não eram mais cruzados para fornecer animais mais aptos para realizar trabalhos, mas simplesmente como hobby, com o intuito de selecionar os que expressassem determinadas características físicas. Para alcançar as características desejadas, valia até mesmo apelar para o endocruzamento, ou seja, o cruzamento entre irmãos, país e filhos, avôs e netos, etc.
Os Kennel Clubs criaram o sistema de registro de raças, onde das milhares de linhagens selecionadas ao longo destes 100 mil anos de domesticação e que persistiram até os dias de hoje, entre 150 e 400 variedades são hoje reconhecidas como raças (o reconhecimento de uma determinada linhagem como raça varia de Kennel Club para Kennel Club).
Uma pessoa que pegue um livro sobre raças caninas do mundo inteiro poderá identificar nas fotos determinados padrões de cães conhecidos e que nem mesmo sabia pertencerem a raças. Isso porque esse padrão racial somente é reconhecido em determinadas localidades, por determinados Kennel Clubs. Vira-latas poderiam, portanto, ser incluídos dentro de determinadas raças, ainda que não pudessem ser considerados puros, por desconhecermos sua procedência.
Apenas esses fatos já servem para demonstrar que o conceito de raças caninas não é um conceito bem fundamentado.

Consequências do repetido endocruzamento de cães

Embora a seleção artificial de cães remonte ao paleolítico, o conceito de raças caninas, que devem obedecer a determinados padrões, possui menos de 150 anos. Algumas raças atuais remontam a tempos bastante remotos, como é o caso do cão d´água português, que possivelmente já era criado pelos fenícios, o afghanhound, que remonta ao século III a.C., do rottweiler, já utilizado pelos romanos e de tantos outros, no entanto essas raças, como dito, formaram-se a partir de diversos animais distintos que expressavam determinadas aptidões e características. Não havia uma pressão para que os cães não se misturassem com outras linhagens e endocruzamentos praticamente não ocorriam, e quando ocorriam, eram acidentais.
Mesmo sem conhecer os mecanismos da genética, o ser humano sempre soube, de maneira empírica, que o cruzamento entre irmãos ou entre pais e filhos criava uma prole mais frágil. Hoje sabemos que isso acontece porque com o endocruzamento aumenta a possibilidade de que genes raros recessivos se manifestem no organismo. Quando existe uma variabilidade genética, mesmo com a presença de genes raros deletérios na população, estes raramente se manifestam, porque a própria seleção natural cuida de eliminá-los. Mas quando a variabilidade genética é pequena, e os animais se cruzam apenas entre si, então surgem as doenças.
Podemos dizer que todos os schnauzers, poodles, dachshounds, cockers, weimaraners e bulldogs são parentes entre si. Não parentes no sentido que todos os cães são entre si, ou que todos os seres humanos são entre si. Eles são parentes em primeiro grau, no máximo em segundo grau. Um cão maltês que nasce na França é praticamente um irmão de sangue de um cão maltês que nasce no Brasil. Há pouquíssima variabilidade dentro desses grupos.
As consequências dessa baixa variabilidade genética dentro das raças caninas é a grande ocorrência de defeitos congênitos (nascimento de animais com defeitos de formação), a manifestação de doenças e a baixa longevidade.
Existem mais de 500 doenças genéticas conhecidas nos cães, todas elas associadas à baixa variabilidade genética existente dentro das raças. Raças como os poodles apresentam diversas doenças endócrinas, tumores de mama, hidrocefalia, epilepsia e outras doenças. Cockers manifestam grande incidência de cataratas, glaucomas e doenças da retina, doenças dos rins e displasia coxo-femural. Pit bulls, rottweilers e pastores alemães também apresentam maior incidência de displasia coxo-femural. Outras doenças características do pit bull são a sarna demodécica, problemas de rompimento do ligamento cruzado e parvovirose. A parvovirose também incide com maior frequência em Rottweilers, que também sofrem com maior frequência de problemas relacionados ao complexo gastroentérico. Pastores alemães manifestam maior incidência de ataxia, epilepsia, doença de Von Willebrand (problemas de coagulação), cegueiras causadas por pannus oftálmico ou queratite superficial crônica. Labradores são acometidos por cerca de 20 doenças genéticas, entre elas displasia coxo femoral, retinal, catarata, ausência de testículo etc. Dachshunds apresentam alta incidência de artrite. Além disso, sua coluna longa ocasiona em maior incidência de problemas de coluna, hérnia de disco, eles são mais propensos a desenvolver problema de cálculos renais, tumores mamários e otites. Como os animais com pernas mais curtas são mais valorizados, essa característica é selecionada pelos criadores, ocasionando em animais com pernas tão curtas que acabam arrastando a barriga e as orelhas no chão. Entre os yorkshires existe maior propensão à endocardiose, hidrocefalia, diversas afecções dermatológicas, musculoesqueléticas, cânceres de testículo e de hipófise, colabamento traqueal, hiperadrenocorticismo, nefropatias e afecções urinárias diversas, várias gastroenteropatias, catarata, atrofia da retina, distrofia da córnea, conjuntivite. O pinscher, além da sarna demodécica, com frequência apresenta epilepsia, problemas cardíacos e problemas de luxação de patela (rótula), que pode até demandar uma cirurgia.
Além dessas doenças genéticas, há ainda outro problema relacionado ao cruzamento endogâmico, que é o favorecimento de características estéticas que resultam em comprometimento da vida do animal. Por exemplo, o padrão de raça estabelecido para dachshunds diz que quanto mais baixinho, melhor. Então o criador busca produzir animais que literalmente se arrastam pelo chão, pois esses são mais valorizados. É óbvio que para o animal isso resulta em péssimas condições de vida e muitos desses “salsichinhas” até evitam se locomover muito. Cães da raça rhodesian ridgeback necessitam, por padrões raciais, apresentar uma faixa saliente no dorso, e para isso que são selecionados. Essa faixa apenas se forma no animal como consequência de uma espinha bífida, portanto, selecionar animais para que apresentem essa crista nas costas é selecionar para que nasçam com esse problema. Essa crista ainda propicia que um quisto (sino dermóide) se desenvolva entre os tecidos subcutâneos e o tecido muscular, causando infecção. Nos canis comerciais, quando um rhodesian ridgeback nasce sem a crista, frequentemente ele é morto antes que a noticia se espalhe. Isso é indício de comprometimento da qualidade do plantel.
Raças como o sharpei e o mastiff napolitano tem como padrão racial a necessidade de apresentar pregas na pele. E quanto mais pregas melhor. Ocorre que essas pregas são regiões propensas ao acúmulo de sujeira e umidade e, como consequência, ao surgimento de dermatite, seborréia e micoses. Além disso, pregas demais limitam os movimentos do animal, comprometendo também sua visão. Muitas vezes são necessárias cirurgias para remover pregas da frente dos olhos. Adicionalmente, sharpeis apresentam problemas de tireóide, problemas de pele e pelo e mal funcionamento do fígado e dos rins, o que ocasiona em dificuldade de biotransformar e eliminar toxinas do organismo. Sharpeis também com frequência apresentam mordedura prognata, ou seja, os incisivos da arcada inferior se fecham à frente dos incisivos da arcada superior.
Algumas raças de cães, como os bulldogs, o boxer, o pequinês e o pug apresentam mordedura prognata como padrão de sua raça. Em muitos casos o prognatismo é tão acentuado que, mesmo quando o cão está com a boca fechada, pode-se ver seus dentes e a língua. No padrão dessas raças também há uma valorização de animais com cabeça curta, alta e enrugada, focinho curto, enrugado e voltado para cima, com narinas amplas, o que torna sua respiração pesada e difícil. Com frequência esses animais apresentam prolapso dos olhos (olhos saltados da órbita, ou caídos) e pernas tortas. Esses animais tem maior propensão a apresentarem problemas cardíacos, com grande incidência de cânceres, problemas articulares e epilepsia.
Portanto, ao buscarmos por animais que obedecem a determinados padrões raciais estamos buscando pela expressão de características artificialmente selecionadas e que com frequência representam doenças e má qualidade de vida para o animal. Ao selecionar animais de acordo com suas características raciais, agimos como nazistas ou eugenistas, que estabeleceram padrões para a forma como seres humanos devem ser. Além disso, agindo dessa forma estamos contribuindo para toda uma cadeia de negócios fundamentada na exploração animal.

Cruzar ou não? Você faz questão de ter um cão de raça? 7

A exploração dos cães de raça

Quem pensa em cães como companheiros, melhores amigos do homem etc., deve pensar duas vezes antes de comprar um cão em um pet shop. Cães vendidos em pet shops possuem exatamente os mesmos sentimentos que qualquer outro cão. São dóceis, companheiros e adoram a companhia humana. Porém, junto com tudo isso, ao comprar um cão o comprador adquire um certificado de linhagem (pedigree) e toda a história de sofrimento que está por trás desses animais.
Animais de pet shop podem ser animais fofinhos pelo ponto de vista do comprador, mas pelo ponto de vista do produtor de animais e do vendedor, eles são apenas produtos ou mercadorias. O objetivo de um criador de cães é o lucro e ele só alcança esse lucro se conseguir maximizar sua produção. Para que isso aconteça, ele deve fazer com que seus cães se reproduzam o máximo possível. Isso significa que cada fêmea matriz deve ter o máximo de ninhadas no menor tempo possível.
Os filhotes nascidos nessas condições abastecem a “indústria dos animais de estimação”. Os canis que fornecem animais de raça para abastecer a esse mercado podem variar desde indivíduos que possuem algumas fêmeas matrizes, até grandes canis comerciais contendo dezenas, centenas de animais.
Em todos os casos, quem sai perdendo são os cães. Animais são condicionados a viverem por toda a sua vida em gaiolas recebendo apenas água e alimentos, produzindo ninhada atrás de ninhada, até que sua vida reprodutiva acabe e seja ela mesma comercializada ou abandonada em algum local. Filhotes nascidos sem as características raciais consideradas dentro do padrão ou com leves imperfeições são mortos de imediato, pois a presença desses animais na ninhada compromete a imagem das matrizes.
Após um breve período mínimo de amamentação esses animais são encaminhados para pet shops onde são vendidos para pessoas que mal conhecem sua história de sofrimento anterior.
Sim, a exploração de cães em canis é uma forma de exploração animal tão grave quanto qualquer outra.
E não se trata realmente de fazer uma distinção entre o “bom” criador e o “mau” criador, ou de criticar o comércio de fundo de quintal e valorizar o comércio que ocorre sob supervisão de um kennel Club ou de alguma entidade de proteção animal. A criação de cães de raça é em si um erro, porque ela produz animais que em verdade só existem para atender à futilidade e aos padrões de estética que nós estipulamos. Seres humanos que de fato gostam de cães não fazem distinção entre cães de raça e cães sem raça definida.

Quem deseja um amigo de verdade . . .

Uma pessoa que realmente deseja ter um cão como amigo, e não como um produto, uma mercadoria, não faz distinção entre um cão de raça e um cão sem raça definida.
Os cães são sinceros em sua amizade para conosco, eles não fazem julgamentos se somos brancos ou negros, altos ou baixos, milionários ou mendigos, perfeitos ou deficientes, cabeludos ou carecas . . . eles nos aceitam como somos porque seu amor é desinteressado. Para que nossa parte da amizade possa ser tão sincera quanto o é a parte deles, precisamos ser tão desinteressados quanto eles mesmos. Ter amizade é querer o bem. Queremos que nossos amigos vivam muito, sejam saudáveis . . . não que tenham pedigrees e doenças genéticas, ou que satisfaçam nosso ego e sejam abandonados quando enjoarmos deles. Queremos que nossos amigos sejam criaturas que vivam conosco porque nos adotamos mutuamente e porque precisamos deles tanto quanto eles precisam de nós.

Amigos não se compram.
Se adquirimos nossos amigos de estabelecimentos que lucraram com sua exploração, nossa parte da amizade não é sincera.

Amigos não tem beleza ou feiúra.
Se escolhemos nossos amigos com base em características estéticas não são amigos o que procuramos. 
Amigos não são feitos em formas, não obedecem a padrões, não tem raça.
Eles vem do jeito que vierem e nós os amamos. Um cão em nossa casa é companhia garantida.
Alegria não de possuir um bem, mas de manter um amigo, compartilhar nossa vida com alguém por muitos anos.

Sérgio Greif é Biólogo, mestre em Alimentos e Nutrição, membro fundador da Sociedade Vegana, autor de livros, artigos e ensaios referentes à experimentação animal, aos métodos substitutivos ao uso de animais na pesquisa e na educação, à nutrição vegetariana, ao modo de vida vegano e aos direitos animais, entre outros temas.

 

 

Fonte: Gato Verde

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